O consumo está diretamente atrelado à sobrevivência e à evolução, permeando e acompanhando a vida naturalmente desde seu início.
Como compreende a primeira lei fundamental da termodinâmica,
“A energia não pode ser criada nem destruída e sim transformada.” Biologicamente, o consumo acontece desde as plantas que absorvem a energia emitida pelo sol e gás carbônico da atmosfera, transformando-os em oxigênio e energia através da fotossíntese. Ao redor destes autotróficos, uma infinidade de organismos dos mais variados tipos e tamanhos se alimentam de sua energia.
Estas espécies que se alimentam da vegetação que, por sua vez, acumulam mais energia em sua estrutura para que o próximo nível trófico se alimente e assim por diante, em um ciclo contínuo, repetitivo e equilibrado de consumo até a decomposição, feita por microorganismos, bactérias, fungos, minhocas e outras espécies que tratam de transformar a matéria orgânica já sem vida, como folhas secas e animais mortos, em adubo para o surgimento de outras vidas, dando assim continuidade ao movimento.
Como as teorias evolucionistas nos mostram, com a espécie humana nunca foi diferente. Naturalmente, somos parte deste ciclo.
Estudos apontam que nossa espécie tenha em torno de 2,5 milhões de anos e, durante praticamente todo este tempo, nosso consumo era sustentável e equilibrado com o habitat. Os resíduos descartados na natureza eram em sua quase totalidade, biodegradáveis.
Há pelo menos 6 milhões de anos, uma população de primatas do noroeste da África se dividiu em duas linhagens que passaram a evoluir independentemente: a primeira continuou no ambiente da floresta tropical e originou os chimpanzés de hoje, e a segunda se adaptou a outros ambientes mais abertos, nas savanas do leste africano, e resultou, há 200 mil anos, na espécie Homo sapiens (Jobling et al., 2013).
Como afirma Yuval Noah Harari, historiador israelense,
"[...] o impacto da vida do ser humano era comparável ao impacto das águas-vivas ou dos vaga-lumes. Hoje, em contraste, nós controlamos o mundo." Após evoluir de outras espécies, há milhões de anos, nossos ancestrais desenvolveram técnicas revolucionárias como a linguagem, a agricultura e a pecuária.
Desde então, as últimas revoluções mais transformadoras foram as Revoluções Científica e Industrial, que mudaram drasticamente como as coisas funcionam e como entendemos o mundo.
Novas formas de obtenção de energia, organização de trabalho e produção trouxeram velocidade e escala sem precedentes.
Após a Segunda Guerra Mundial, diante de uma estagnação econômica mundial, o consumo foi incentivado e tornou-se globalizado.
Por um lado, uma parte considerável da população mundial teve melhorias notáveis nos padrões de vida. Por outro, geramos novos e graves problemas que põe em risco nossa própria sobrevivência.
Com a industrialização massiva, estamos nos afastando cada vez mais de como é produzido o que consumimos. Esta alienação surge pela crescente facilitação e diversificação da produção e maior acesso ao crédito, gerando um fenômeno recente na humanidade: o consumismo.
Como define Cambridge Dictionary, consumismo é
"O estado de uma sociedade industrial avançada na qual muitos bens são comprados e vendidos." Olhe a sua volta e certamente verá diversos produtos que foram produzidos, em alguma instância, por mão-de-obra praticamente escrava e com uma pegada ecológica crítica, atravessando milhares de quilômetros até chegar às suas mãos.
Um celular hoje se tornou um item quase indispensável e desejamos comprá-lo por sua grande utilidade no dia-a-dia. Porém, não levamos em conta a degradação ecológica e social de seu processo de produção.
Ao comprarmos uma bandeja com alguns pedaços de carne no supermercado, geralmente não levamos em conta que a pecuária e a produção animal são responsáveis por cerca de 15% da emissão mundial de gases do efeito estufa e cerca de 65% do desmatamento da Amazônia (Imazon, 2017).
Da mesma forma, quando adquirimos uma casa ou fazemos uma reforma, não levamos em conta que o cimento é o material feito pelo homem mais amplamente usado que existe. Ele só perde para a água como recurso mais consumido no planeta, e seu processo de produção é visto como uma gigantesca fonte de dióxido de carbono (CO2) - um dos gases responsáveis pelo aquecimento global.
Se pensarmos na vasta e complexa cadeia logística atual que demanda bilhões de litros de petróleo para se manter em pleno funcionamento, que é uma fonte de energia não-renovável e extremamente danosa ao meio-ambiente ao ser queimado, poderíamos optar por comprar de produtores locais ao invés de consumir produtos produzidos em outras localidades.
Principalmente nos últimos 100 anos, o Princípio da Precaução foi colocado, consciente ou inconscientemente, em segundo plano pela maior parte da sociedade.
Como definido na conferência Rio 92,
"O Princípio da Precaução é a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este princípio afirma que a ausência da certeza científica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever este dano." O sociólogo Robert K. Merton identificou cinco fontes de consequências não intencionais dos nossos atos, sendo a ignorância e o interesse imediato os dois mais relevantes no que tange o consumo.
Uma grande parte do problema é que muitos dos nossos comportamentos de consumo tornaram-se tão habituais que nós não temos consciência do impacto que causamos. Os psicólogos chamam isso de "cárcere" de consumo, uma vez que pode ser difícil fazer escolhas sobre o que comprar e o que não comprar, por que hábitos, rotinas, normas sociais e valores culturais nos prendem em comportamentos insustentáveis (Botsman e Rogers, 2011).
O consumo individual pode não parecer causar um grande perigo, porém ao analisarmos de uma perspectiva de consumo em larga escala, de bilhões de indivíduos, o risco é iminente.
Sim, somos todos partes do problema.
Segundo o WEF (World Economic Forum), em seu relatório anual The Global Risks Report 2020, pela primeira vez nas perspectivas de 10 anos de pesquisa, os cinco principais riscos globais em termos de probabilidade são todos ambientais. O relatório lista, por exemplo, eventos climáticos extremos com grandes danos à propriedade, infraestrutura e perda de vidas humanas, danos e desastres ambientais como derramamentos de óleo e contaminação radioativa, grande perda de biodiversidade e colapso do ecossistema (terrestre ou marinho) com conseqüências irreversíveis para o meio ambiente, resultando em recursos severamente esgotados para a humanidade e para as indústrias.
E por que estes eventos alarmantes estão ligados ao nosso consumo?
Como vimos, vivemos em um sistema extremamente conectado, onde cada parte tem sua função na cadeia. O fato é que tudo o que consumimos é proveniente de alguma matéria-prima natural, moldada e refinada quimicamente para que sua nova estrutura possa ser melhor aproveitada pelas necessidades antrópicas.
O aço dos carros, o argila dos tijolos, o plástico das embalagens, a madeira dos móveis, a pedra do paralelepípedo, enfim, tudo provém de algum lugar da natureza. Pode parecer básico, mas o consumo fácil e praticamente imediato nos desvia desta obviedade.
Ao extrairmos materiais, geramos impacto. Ao moldarmos materiais, geramos impacto. Ao consumirmos produtos, geramos impacto. Ao descartarmos produtos, geramos impacto.
Mas nesse cenário, como consumir conscientemente?
Existem diversas formas, mas nenhuma delas é trivial e confortável como consumir irresponsavelmente.
A primeira é entender nosso lugar no ciclo natural, ao qual originalmente pertencemos. Entender que somos parte e não o topo da cadeia, como algumas filosofias nos levaram a crer e que a realidade acabou por se concretizar.
Antes de comprar algum item, se questione se realmente necessita adquirí-lo.
Ao encontrarmos a necessidade de comprar, vá mais a fundo na cadeia de produção. Dê preferência a produtos transparentes, de produtores que possuam certificações de sustentabilidade, que mapeiam a vida útil de seu produto e mitigam seus riscos e impactos ambientais.
Consuma produtos o mais localmente possível, colaborando na redução da complexidade da cadeia logística e, consequentemente, do ciclo de carbono.
Fique atento à legislação e às discussões sobre políticas industriais, de consumo e ambientais, e cobre, sempre que puder, dos governantes para que o meio ambiente sempre esteja presente em suas pautas.
Por fim, após utilizar um produto, se questione se há alguma forma de reutilizar o que sobrou dele. Se não houver um aproveitamento do material, busque descartá-lo da forma mais adequada possível.
O consumo sustentável não é uma tarefa fácil mas cabe a todos nós a responsabilidade de promovê-lo e aplicá-lo.