Se olharmos a nossa volta, veremos uma infinidade de produtos e serviços que foram criados nos últimos 200 anos, lançando mão - conscientemente ou não - de faculdades e métodos de design para isso.
Os conceitos de design já são tão naturais que, na maior parte do tempo, não costumamos identificá-los.
Como sugere Bernhard Bürdek em seu livro DESIGN - História, Teoria e Prática do Design de Produtos (2010),
"A vida da maioria das pessoas não é mais imaginável sem o Design. O Design nos segue de manhã até a noite: na casa, no trabalho, no lazer, na educação, na saúde, no esporte, no transporte de pessoas e bens, no ambiente público - tudo é configurado de forma consciente ou inconsciente. Design pode ser próximo da pele, (como na moda) ou bem afastado (como no caso do uso espacial). [...] Por meio dos produtos, comunicamos-nos com outras pessoas, definimo-nos em grupos sociais e marcamos cada vez nossa situação social. Design ou não Design - isto hoje não está mais em questão."
Isso porque a principal base do design - principalmente o moderno - é entender as pessoas e criar soluções que supram suas necessidades.
Como reflete o JDP - Japan Institute for Design Promotion,
"O que é central para o design? Depois de anos trabalhando com design, pareceu-nos que a resposta era "pessoas". [...] as pessoas sempre são uma preocupação central quando um designer planeja algo novo. O designer faz a si mesmo as perguntas “O que as pessoas precisam? O que devo projetar para eles?". [...] Consideramos que o design consiste na série de processos de pensamento constante sobre as pessoas, principalmente, identificando objetivos e planejando maneiras de alcançá-los. Acreditamos que o que é realizado como resultado desse processo é uma solução de design."
Como afirma a Organização Mundial de Design (WDO),
"Na essência, o design sempre foi sobre encontrar os melhores caminhos, melhorando a qualidade de vida." Mas para entendermos o porquê desta influência, precisamos analisar como o design surgiu.
Como há bastante debate e não há um consenso sobre seu surgimento, é importante ressaltarmos o que frisou Rafael Cardoso em sua obra Uma introdução à história do Design (2000),
"A história do design deve ter como prioridade não a transmissão de dogmas que restrinjam a atuação do designer mas a abertura de novas possibilidades que ampliem os seus horizontes, sugerindo a partir da riqueza de exemplos do passado formas criativas e conscientes de se proceder no presente."
Existem historiadores e pensadores na área que partem da tese de que o design é algo intrínseco a nossa espécie e desde que começamos a moldar o ambiente a nossa volta através de ferramentas, já estávamos fazendo design.
Mas aqui focaremos a reflexão no Design Moderno, que para alguns historiadores nasceu com os Construtivistas Russos, a partir da Revolução Socialista. Outros indicam a famosa escola de arquitetura e design Bauhaus - na República de Weimar - mas geralmente tem-se a Revolução Industrial como o grande motivo de seu surgimento.
Não à toa que o design moderno é também chamado de Design industrial ou Desenho industrial por diversos autores.
Segundo Rafael Cardoso (2000),
Historicamente [...] a passagem de um tipo de fabricação, em que o mesmo indivíduo concebe e executa o artefato, para um outro, em que existe uma separação nítida entre projetar e fabricar constitui um dos marcos fundamentais para a caracterização do design. Segundo a conceituação tradicional, a diferença entre design e artesanato reside justamente no fato de que o designer se limita a projetar o objeto para ser fabricado por outras mãos ou, de preferência, por meios mecânicos."
O processo compreende a passagem do artesanato para a produção em escala.
Durante esta época, os meios de produção foram alterados significativamente, principalmente pela substituição do trabalho humano pelo trabalho mecânico e a descoberta de novas fontes de energia, potencializando ainda mais essa mecanização.
Como descreve Rafael Cardoso em Design para um mundo complexo (2011),
"O design nasceu com o firme propósito de pôr ordem na bagunça do mundo industrial. Entre meados do século XVIII e fins do século XIX - o período que corresponde, grosso modo, ao surgimento do sistema de fábricas em boa parte da Europa e dos Estados Unidos - houve um aumento estonteante da oferta de bens de consumo, combinado com queda concomitante do seu custo, ambos provocados por mudanças de organização e tecnologia produtivas, sistemas de transporte e distribuição."
A designer Lucy Niemeyer (2017) relata a abordagem do design no contexto histórico da evolução industrial:
"A busca por uma solução formal esteticamente agradável foi uma preocupação que acompanhou desde os seus primórdios as ações de aprimoramento do produto industrial. Adiante, nas primeiras décadas do século XX, o funcionalismo foi um princípio do design proposto por correntes de países centrais, especialmente a Alemanha. Segundo seus preceitos, devia-se assumir a especificidade da linguagem formal própria à tecnologia industrial, tomá-la até como manifesto ideológico, ajustar a configuração formal do produto ao seu modo de funcionamento.. (...) O produto carrega expressões das instâncias de elaboração de produção: cultura e tecnologia."
Na Inglaterra e Estados Unidos em meados do século XIX, a nova função se ocupava em padronizar a produção através de desenhos técnicos e incrementos estéticos.
Adiante, no século seguinte, na Europa e na antiga União Soviética, designers começavam a se especializar tecnicamente mas também a questionar a produção e se aprofundar em sua essência, buscando-a em áreas mais amplas como a sociologia, a antropologia, a filosofia e a economia.
Foi então no ano de 1919, que surgiu a primeira escola de design do mundo, a Bauhaus, através de seu idealizador Walter Gropius.
"A Bauhaus nasceu da catástrofe. [...] foi ideia de Walter Gropius, um arquiteto alemão, que servia como Oficial na Primeira Grande Guerra, sonhou com uma escola de arte e desenho que ajudasse a mudar o mundo. O pesadelo da guerra, os mecanismos de massacre fizeram com que Gropius desejasse um mundo em que a máquina fosse domesticada em benefício do homem."
Para muitos, a formação do design moderno surgia ali.
Para Gropius, a escola deveria formar profissionais como artistas e artesãos, aproximando a máquina do artista individual. Assim, os questionamentos sobre a relação função/estética dos objetos seriam estimulados, juntamente com o estudo de seus materiais, dando cada vez mais ênfase ao ideal de que a forma segue a função.
Logo, os conhecimentos da escola estavam sendo aplicados à produção em massa da indústria.
Para Bruno Padovano, professor da USP,
"Toda a atenção era dada aos processos industriais e à solução dos problemas sociais oriundos da Revolução Industrial, valorizando a função sobre a forma, tópico central das escolas de belas-artes da época."
A escola esteve a frente de diversos projetos pioneiros, como a Haus am Horn, casa moderna e de baixo custo, projetada para ser comercializada em massa, assim como todo seu mobiliário e utensílios domésticos.
Após 14 anos de seu surgimento, por conta de seus ideais, filosofia e sua influência política, abertamente ligados à movimentos de esquerda, foi perseguida e fechada pelo governo nazista.
Com o fechamento da escola, suas ideias se mantiveram livres e se espalharam pelo mundo através de seus alunos e professores.
De lá pra cá, outras escolas importantes surgiram pelo mundo, em especial a Escola de Ulm na Alemanha e a Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), no Brasil. Assim como as escolas, o design acompanhou a indústria que se tornou cada vez mais complexa e abrangente.
Na segunda metade do século XX, pós Segunda Guerra Mundial, viu-se uma industrialização ainda mais acelerada com o advento do plástico, a explosão da economia chinesa e o acirramento na disputa da vanguarda tecnológica e na produção industrial global, principalmente com os Estados Unidos.
No Brasil, no decorrer de uma ditadura militar passando para um governo liberal, o progresso industrial também se manteve no foco econômico.
Neste período de mudanças intensas no planeta e de consolidação do comércio globalizado, o design também quebrou os limites territoriais e se espalhou pelo mundo. Com uma estrutura de pensamento mais sólida e com maior entendimento sobre a sua importância no processo de produção industrial, o design se consolidou como uma matéria multidisciplinar.
Em sua obra Sobre Desenho Industrial (1977), Joaquim Redig, precursor designer brasileiro e professor na ESDI, define de forma sucinta a atuação do design:
"Desenho Industrial (Design) é o equacionamento simultâneo de fatores ergonômicos, perceptivos, antropológicos, tecnológicos, econômicos e ecológicos, no projeto dos elementos e estruturas físicas necessárias à vida, ao bem estar e/ou a cultura do homem."
Ainda mais recentemente, a modernização e a automação da indústria conectou a humanidade aos meios digitais - agora quase que indissociáveis - através da internet e dos dispositivos móveis, mas invariavelmente, as pessoas continuaram no centro do processo.
Essa mudança constante exige também uma atualização frequente da definição de design. Segundo o Organização Mundial do Design (WDO), isso aconteceu recentemente na 29ª Assembléia Geral do International Council of Societies of Industrial Design (Icsid), ocorrida em 2015 na cidade de Gwangju, na Coréia do Sul:
"O Design Industrial é um processo estratégico de solução de problemas que impulsiona a inovação, gera sucesso nos negócios e leva a uma melhor qualidade de vida através de produtos, sistemas, serviços e experiências inovadores. O design industrial preenche a lacuna entre o que é e o que é possível. É uma profissão transdisciplinar que utiliza a criatividade para resolver problemas e co-criar soluções com a intenção de melhorar um produto, sistema, serviço, experiência ou negócio. Na sua essência, o Design Industrial oferece uma maneira mais otimista de olhar para o futuro, reformulando os problemas como oportunidades. Ele une inovação, tecnologia, pesquisa, negócios e clientes para fornecer novo valor e vantagem competitiva nas esferas econômica, social e ambiental."
Hoje, o design é cada vez mais digital.
Podemos organizar e controlar boa parte de nossas vidas através de um smartphone: monitores de saúde, nossas informações, documentos, processos, cronogramas diários, nossas memórias, comunicação pessoal e profissional, nossas compras, nossas finanças, nossa opinião, entretenimento, nossa relação social, enfim, nossa vida agora está nas "nuvens".
Com tanta informação, precisamos de interfaces cada vez mais eficazes na interação entre humanos e tecnologias que aprimorem a qualidade de vida, assim como nos séculos anteriores o design serviu para melhorar a qualidade de vida projetando produtos e serviços melhores.
Mas isso é o assunto que vamos aprofundar na próxima reflexão: aplicando a ferramenta design à vida real.
Até lá!